windmills by fy

21/11/2009

A Fecundação pela Vida II

Filed under: Uncategorized — Fy @ 4:30 AM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 É assim que , por vezes , nos descobrimos grávidos .

 

 

Grávidos de alguma idéia , projeto , tela , música , poesia . . .  

Não sabemos o que exatamente vai nascer , como , onde , quando . . .  Apenas sentimos que algo nos aconteceu .

 

 

Em um encontro com outra alteridade , fomos marcados de alguma forma , fecundados pela diferença  –

o que chama  para a composição de um outro corpo , um corpo que possa acolher e encontrar sentido para este contágio :

 

 

“ E é pelo fato de que a marca abre para o desassossego pelo desmanchamento das formas constituídas

que se faz necessário que se invente um novo corpo para encarnar este novo estado ” .  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

 

 

 

 

CORPO GRÁVIDO

A Fecundação pela Vida   

                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

Parte II

Tatiana Ramminger

 

 

 

 

Um Processo Criativo pode ser entendido como a invenção deste novo corpo .

Resultado de algo que nos tirou do sossego , da estabilidade . . .

Uma Marca .

 

 

A tal Marca do diferente-em-nós , do estranho-em-nós , que nos chama . . .  para compor algo com ele .

Este novo estado provoca , inicialmente . . .  certo mal estar .   

Uma angústia frente a este algo que está por vir e ainda não veio ,  > o tal  legítimo vir-a-ser que . . . ainda não é .

 

 

A nós cabe suportar estar suspensos neste   “ entre ”  ,  presos ;  na eternidade fugaz de um devir . . .

Temos que aprender a esperar , talvez até mais de nove meses .

Esperar um à posteriori de sentido > que ainda não se conhece :

“ A atitude mais sábia diante disso seria a Serenidade , tal como compreendida por Heidegger ” :

 

 

Quando se espera o inesperado nada há a fazer senão  …  manter-se na espera ;

esperar com os sentidos atentos e abertos , mas sem uma direção pré-selecionada . .. ” .

 

 

 

 

Trata-se de uma relação muito particular com o tempo:

 

 

– em que o presente é o espaço do acolhimento de um acontecimento ,

um presente que não está entupido pelo passado e que não impede a aproximação do futuro .  –                                           

                                                                                                                      Rosenfeld

 

 

 

 

A Gravidez Biológica não deixa de ser a melhor metáfora deste processo ,

porque é a concretização deste corpo que espera , se transforma e cresce ,

transgredindo limites a cada dia , acolhendo e nutrindo um diferente  . . .

 

 

 

Um corpo definitivamente marcado pelo Encontro.

 No entanto , está longe de ser só isso . . .

 Basta pensarmos em como , desde o início , o corpo fecundado  “ tem que ser capaz de dar sentido ”  a este Encontro :

caso contrário o processo : não tem continuidade .

 

 

 Apenas o desejo de  [ não ]  engravidar não basta para [ não ]  engravidar . . .

Não é só a mulher , é sua consciência , que escolhe ou não engravidar :

“ seu corpo também ”  >   tem que se deixar afetar : dar passagem a esta possibilidade .

Quem vive no próprio corpo o crescimento de um outro , não pode deixar de se afetar por esta alteridade .

 

Vê , dia a dia , algo despontar :   entre ela e o mundo  . . .

Vive , literalmente , em si , a passagem de um corpo para outro .

Corpo que não cabe mais em suas antigas roupas , que não passa mais pelos mesmos lugares , que exige um passo desacelerado , uma espera . . .

 

Corpo que procura acolher este acontecimento :

Gravidez :         >  carregando-o de sentido .

 

 

 

Aqui , então , proponho entender a  “ Gravidez ” ,   seja ela física ou simbólica , como um  :  Acontecimento .

O Acontecimento envolve os corpos de tal maneira que nenhum corpo pode estar fora de um acontecimento . . .

Poder-se-ia até dizer que :   > não é algo que nos acontece , e  sim :   >   nós que   “ entramos ”   em um acontecimento .

Acontecimento inesperado , imprevisível , que desmancha definitivamente nossa   (re)conhecida  trama de representações  e :

 

 

>  nos empurra para a construção de um Novo Possível :

 

 

 

O Acontecimento afirma sua autonomia ,

nos afetando proporcionalmente à intensidade de sua independência e indo além de nossos recursos (in)conscientes para controlá-lo .

 

 

 

Está em suspenso   >   habitando o entre   >   fundando e rompendo mundos  .

 

“ Ao destroçar um mundo ele é sempre a prefiguração da morte ”  >  morte de uma ilusória totalidade .   –

 Figueiredo – 1994 – p. 154 –                  

 

 

 

 Isto nos leva a senti-lo , inicialmente, como uma Crise :

– uma ruptura de existência – que chama – por si mesma  –  a integração do acontecimento .

Integrar o acontecimento é dar-lhe sentido , traduzindo-o e fazendo-o transitar de :

 

 um início caótico : onde apresenta-se como signo vazio de sentido :

 até a construção de um novo território , e não por isso , menos provisório .

 

 

 

Provisório , justamente por conservar sempre incompleta a presença ,

e por esta razão , acaba por criar solo para novas composições , para outros Acontecimentos .

 

 

O acontecimento é aparentemente igual para todos :

é a nossa conduta frente a ele que vai singularizá-lo e determinar a ética de cada um , o que cada um acredita .

 A ética aqui é a ética de Spinoza que afirmava que todo corpo está aqui para realizar sua natureza ,

>  o que nada mais é do que realizar afetos ,  > realizar sua capacidade de :

 

 

Afetar e ser Afetado .

“ O homem não se conhece a si mesmo , senão pelas afecções do seu corpo e suas idéias ” .

Sendo assim , Natureza é Relação ,

um ser que estiver no vazio não é Nada ,

–  e a qualidade desta Relação estará intimamente ligada à Potência deste Corpo ao poder realizar algo . –

Quando dois corpos se afetam mutuamente pode haver uma Composição ou Decomposição afetiva , o que marca um Aumento ou Perda de Potência .

 

Quando há Composição, podemos falar de um Bom Encontro

 

 

 

ao contrário,

 

 

Decomposição determina um Mau Encontro :

 

 

 

Mas pode haver , e geralmente é assim  >  os dois ao mesmo tempo .

A ética aqui não está nos manuais , não tem a ver com a moral , mas está :   dentro de nós .   – é isso aí : dentro de nós . –

 

 

Somente nós mesmos podemos determinar que acontecimentos nos compõem , aumentando nossa potência ,

e quais são aqueles que apenas enfraquecem nossos recursos de entendimento . . .

 

 A ética, portanto , está em desviar dos Maus Encontros e procurar Bons Encontros .

 

 

 

Suely Rolnik integra estes conceitos : 

– acontecimento – encontro – corpo fluido – e ética  falando em três linhas de vida:

A primeira :

Invisível e Inconsciente >  é um traçado entre os corpos, em seu Poder de Afetar e ser Afetado.

É :   linha de fuga   >   que desaba territórios para que outros possam surgir .

Corpo Afetivo .

 

 

A terceira linha:

 ao contrário , >  é a composição que conseguimos fazer :

é o Território, linha dura e visível :  que nos permite a Tranqüilidade da Ancoragem e do Contorno .                

Corpo Possível : Visível .

 

 

A segunda linha:

É a que faz a interlocução entre estes dois campos:

 linha de simulação >  que oportuniza a passagem da dimensão dos afetos ou seja :

da  primeira linha   >    para a dimensão do território visível  que é a   >    terceira linha   –  e vice-versa  – .

É o vaivém entre Composição e Desmanchamento de modos de existência:      

 

 

 

Corpo grávido  > Grávido de virtualidades que ainda não se efetivaram .

 Aqui,  tomamos o destino em nossas mãos e, tal qual as três Moiras > tal qual a maneira que cada um fia , tece e compõe estas linhas é que vamos  determinar as diferentes estratégias de desejo .                                                                       

Ou seja , é o que vai determinar a Ética , a procura de Bons ou de Maus Encontros .

 

O que vai nos dizer o que compõe ou não  >  é o Entendimento .

É o Entendimento que dá sentido aos encontros:  > ao Acontecimento.

No entanto , não existe nenhum modelo que eu possa seguir , eu não tenho como saber previamente como será o Encontro , senão através da Experiência .

 

 

 

 

a Produção de um Modo de Existência

 

 

 

 

Um Processo de Subjetivação nada mais é do que : a Produção de um Modo de Existência :

 que não tem a ver com o sujeito , >  mas com o que lhe acontece e com o sentido que ele consegue encontrar para estes acontecimentos .

 

 

Há momentos em que a Existência cristaliza-se em um Modo de Ser

> momentos em que a subjetividade reconhece-se em um corpo ,

> em uma unidade :  podendo-se até falar em :  Identidade .

 

 

No entanto , a Identidade , assim como o amor cantado pelo poetinha : …  só é eterna enquanto dura  …

Ou seja , só vale enquanto continuar fazendo :   sentido .

Voltando para a filosofia , podemos entender este processo com o auxílio de Nietzsche .

 

 

 

Ele acredita que o homem é movido por duas Forças antagônicas :

as  Ativas

e

as  Reativas

 

–  enquanto as Forças Reativas funcionam como um reservatório de marcas mnêmicas à dispo-sição para fins adaptativos ,

–  as  Forças Ativas  buscam a criação de novas maneiras de viver incessante e incansavelmente .

 

A partir destes dois conceitos , ele desenvolve formas de viver que se alternam , se misturam ou se sobrepõem na constituição de uma subjetividade  >  são circuitos de vida  aos quais  chamaremos :

–   o   Circuito Escravo  >  predomínio das   Forças Reativas

e

–  o Circuito Nobre    predomínio das    Forças Ativas

 

“Quando uma subjetividade está comandada por um Circuito-Nobre  , isso significa  , em primeiro lugar  , que ela tem referência vital na afirmação da sua vida enquanto devir :

 

 Assume a própria força

 

 

 

Mas ,

 

o escravo habita-nos , na medida em que nos deixamos > escravizar pelo Outro . 

Outro – Imaginário que acreditamos deter a nossa própria potência castrada .

 

Aqui já podemos entender a discriminação realizada pela filosofia clássica que ao separar :  Desejo e Pensamento  > separou o corpo daquilo que ele pode :

 

do sentido que ele mesmo pode encontrar no que lhe acontece . . .

 

Separou-o [o corpo] de sua Vontade de Potência :

 

                      de sua capacidade de construir a vida , ao invés de estar subjugado a uma vontade Outra que a determina .

 

 

Esta vontade outra pode ser tanto o ideal perfeito de Platão ,

quanto a vontade divina das igrejas ,

ou ainda a mídia contemporânea que invade nossas casas com imagens assépticas e efêmeras . . .

 

Restabelecer   um   Circuito Nobre   passa por habitarmos definitivamente  Nossos Corpos e Nosso Tempo :

encarnando o devir . . .  > devir que ultrapassa as identidades e nos faz ser tudo ao mesmo tempo :

alertas ,

inconscientes ,

seguros ,

inconseqüentes ,

apaixonados ,

pessimistas ,

sonhadores ,

ambivalentes  . . .

 

Não se trata aqui de uma Natureza Pura que varia , mas de uma Pura Variação .       

Rolnik – 1989 – p.34.

 

 

 

 

Neste sentido , Guattari sugere que os fenômenos de expressão social   ” não são ”   uma simples somatória de subjetividades individuais .

Ao contrário , é a subjetividade de cada um de nós que é   “ atravessada ”   por inúmeros agenciamentos coletivos >  que em algumas circunstâncias podem se individuar .

A maneira com que os indivíduos se relacionam com estes agenciamentos coletivos é que vai determinar o circuito predominante em sua subjetividade .

Ele pode submeter-se a eles  , tal como os recebe ou ainda criar   >   a partir deles >  reapropriando-se de seus componentes de forma singular  > singularizar . . .

 

 

 

Seguindo a tradição platônica , a tendência atual é que   “ apenas se reproduzam ”   valores e sentidos universais ,

– ao invés de :   buscar sentido na própria experiência :

 

“ A experiência deixa de funcionar como referência para a criação de modos de organização do cotidiano :    > interrompe-se os processos de singularização .

É , portanto , num só movimento que nascem os indivíduos e morrem os potenciais de singularização ” .   

 – Guattari & Rolnik –

 

 

 

A partir dessas considerações , podemos pensar que qualquer ruptura com o modo de funcionamento de nossa sociedade atual passa por :

resgatar uma espécie de Função – Gravidez .

 

A possibilidade de se deixar fecundar pela vida :

–  por algo que nos movimente por inteiro :

–  que faça a gente funcionar como um canal para a proliferação de formas de existência >     que se imponham a cada nova configuração da experiência :

Um estranhamento que   “ acolhemos ”  , carregamos conosco ,   nutrimos e esperamos amadurecer :   até que possa nascer :   compor território . . .

carregando-o de :    Sentido .

 

 

 

 

 

 

by Fy