windmills by fy

28/08/2010

O minotauro

Filed under: Uncategorized — Fy @ 5:27 PM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 

Existem homens e homens .

Existem mulheres e mulheres .

 

Alguns homens , seja onde for ,  nascem Reis .

Algumas mulheres , seja onde for , nascem Rainhas .

Como os Reis e Rainhas deveriam ser .

 este poema  é de uma delas .

 

 

 

 

Em Creta

Onde o Minotauro reina

Banhei-me no mar

 

 

 

Há uma rápida dança que se dança em frente de um touro

Na antiquíssima juventude do dia

 

Nenhuma droga me embriagou me escondeu – me protegeu .

 

 

 Só bebi retsina tendo derramado na terra

a parte que pertence aos deuses

 

 

 

 De Creta

Enfeitei-me de flores e mastiguei o amargo vivo das ervas

Para inteiramente acordada

comungar a terra

 

 

 

 

De Creta

Beijei o chão como Ulisses

Caminhei na luz nua

 Devastada era eu própria como a cidade em ruína

Que ninguém reconstruiu

 

 

Mas no sol dos meus pátios vazios

A fúria reina intacta

E penetra comigo no interior do mar

Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos

E reconhecem o abismo pedra a pedra anémona a anémona flor a flor

 

 

 

 

 

 E o mar de Creta por dentro é todo azul

Oferenda incrível de primordial alegria

 

Onde o sombrio Minotauro navega

 

 

Pinturas

ondas

colunas

e planícies

 

Em Creta

Inteiramente acordada

 

atravessei o dia

 

E caminhei no interior dos palácios veementes e vermelhos

palacios sucessivos e roucos

Onde se ergue o respirar da sussurrada treva

E nos fitam pupilas semi-azuis de penumbra e terror

Imanentes ao dia –

 

 

Caminhei no palácio dual de combate e confronto

Onde o Príncipe dos Lírios ergue

os seus gestos matinais

 

 

 nenhuma droga me embriagou

me escondeu – me protegeu

 

 

 

 

O Dionysos que dança comigo na vaga não se vende em nenhum mercado negro

 Mas cresce como flor daqueles cujo ser

Sem cessar se busca e se perde e se desune e se reúne

E esta é

a dança do ser

 

 

 

 

Em Creta

Os muros de tijolo da cidade minóica

São feitos com barro amassado com algas

 

E quando me virei para trás da minha sombra

Vi que era azul

o sol

que tocava o meu ombro

 

 

 

 

 

Em Creta onde o Minotauro reina

atravessei e vaga

 De olhos abertos

inteiramente acordada

Sem drogas e sem filtro

Só vinho bebido em frente da solenidade das coisas –

 

 Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto,

Sem jamais perderem o fio de linho da palavra

.

 

 

 

Ilustrações:

Rassonier 

 

Fy